sexta-feira, 11 de abril de 2014

Menos sangue, mais Astronomia

Na terça feira Marte atingiu 1,5 magnitudes de brilho


(Mídia News) Nesta terça feira (8) tivemos uma efeméride interessante: a oposição de Marte. Quando isso acontece, e não é só com Marte, o planeta fica visível a noite toda e atinge seu brilho máximo. A cada 26 meses ocorre uma oposição dessas e antigamente era o melhor momento para se observar Marte, pois nessa ocasião os dois planetas atingem sua menor distância relativa. Hoje em dia uma oposição deixou de ser importante para observar Marte, mas determina a chamada “janela” de lançamento de satélites que vão justamente obter mais detalhes do planeta vermelho, minimizando o combustível a ser usado na viagem.

Na terça feira Marte atingiu 1,5 magnitudes de brilho e era um dos objetos mais brilhantes do céu, presa fácil ao entardecer com seu brilho vermelho-pálido. Ele ainda permanecerá brilhante assim durante algumas semanas. Para ser mais exato, Terra e Marte ainda estão se aproximando e na próxima segunda, dia 14, estarão na sua máxima aproximação, algo em torno de 92 milhões de km.

Mas esse fato, ao invés de encantar e motivar as pessoas a observar o céu, disparou uma série de matérias catastróficas que, somado à efeméride da semana que vem, um eclipse lunar, está inundando as redes sociais e portais de notícias com bobagens irritantes.

A oposição de Marte é tão somente uma configuração geométrica em que a Terra fica entre o Sol e Marte, num alinhamento no espaço. Alinhamento se simplificarmos uma situação tridimensional numa bidimensional e olharmos a configuração por cima do plano. Mas, mesmo assim, os 3 astros não se perfilam numa linha perfeita. Aliás, falar em alinhamento planetário é apertar o gatilho de teorias do fim do mundo, invocando Nostradamus, os maias e Nibiru. Aí na semana seguinte ocorre um eclipse total da Lua, que algumas pessoas chamam de Lua Sangrenta, invocam uma tétrade de eclipses e pronto. O caldeirão de bobagens até transborda!

Então vamos esclarecer as coisas.
A oposição de Marte é uma efeméride bacana em que o planeta se torna mais brilhante e fica visível a noite toda. Ainda deve ocorrer a máxima aproximação entre Terra e Marte, mas é só isso e acabou. Ponto parágrafo.

Na terça feira, dia 15, ocorrerá um eclipse total da Lua. Chama-se total porque a Lua atravessa também a parte mais escura da sombra que a Terra projeta no espaço, a umbra. Nessas ocasiões, por conta da refração da luz na atmosfera terrestre, a Lua fica com uma coloração avermelhada, mais ou menos acentuada dependendo das posições relativas entre o Sol, Terra e Lua (note que eu nem quis mais usar o termo alinhamento!), mas também depende da quantidade de particulado suspenso na alta atmosfera, como cinzas vulcânicas. Isso já é conhecido há milênios! Há séculos existe uma escala para classificar a cor que a Lua atinge nessas ocasiões, a escala de Danjon. Por conta dessa tonalidade avermelhada, a Lua acabou sendo chamada, por uns poucos, de Lua de sangue, mas alguém achou melhor chamar de Lua sangrenta. Melhor para assustar as pessoas, claro!

Seguindo.
O eclipse da semana que vem abre uma série de 4 eclipses totais, sem nenhum eclipse parcial entre eles, que deve ocorrer até 2015. Essa série de 4 eclipses seguidos é chamada de tétrade de eclipses, que é difícil de acontecer, mas é perfeitamente explicável através da configuração das órbitas da Terra e da Lua em relação ao Sol. O último deles aconteceu entre 2003 e 2004 e o próximo acontecerá entre 2032 e 2033. O curioso é que os eclipses que ocorrem em uma tétrade não são tão escuros quanto um outro eclipse total qualquer.

Os eclipses dessa tétrade que começa agora acontecerão nos dias 14 de abril e 08 de outubro de 2014 e no ano que vem, em 4 de abril e 28 de setembro. Desses, apenas o de 4 de abril do ano que vem não será visto no Brasil, ainda que o de outubro deste ano seja visto marginalmente.

Esses são os fatos e ponto!
Só que em 2008 dois pastores americanos publicaram um livro (papel aceita tudo) chamado “Quatro Luas Sangrentas: Alguma coisa está para mudar”, em que anunciam que o eclipse da semana que vem marca o início de uma mudança que se concretizará com o último dos eclipses em setembro do ano que vem com a segunda vinda de Jesus. Essa bobagem foi parar na internet (que aceita mais do que papel!) e ganhou tanta popularidade que o tal livro entrou para a lista dos mais vendidos nos EUA por várias semanas! Sem entrar muito em detalhes, o livro relata passagens bíblicas, eventos sagrados, todos conectados com tétrades que ocorreram no passado. Engraçado que um dos autores afirma que as mudanças que estariam por vir aconteceriam em escala global, enquanto o outro acredita que as mudanças ocorreriam apenas em Israel, que só verá (parcialmente) o último dos eclipses da tétrade atual.

Oposição de Marte, eclipse total da Lua e tétrade de eclipses. Eventos astronômicos sem ligação entre si, causados por fenômenos e combinação de fenômenos físicos naturais que não têm nada de extraordinários e que se repetem ao longo da história. Nada de prenúncio de fim do mundo, nada de retorno de ninguém!

OK?
Falando do que interessa, o eclipse da semana que vem transcorre durante a madrugada de segunda para terça. A Lua toca a penumbra terrestre às 01h53, mas nessa fase inicial seu brilho cai pouco e pode até nem ser percebido. A Lua deverá tocar a sobra da Terra às 02h58 da manhã e estará totalmente imersa nela, marcando o início da fase total, às 04h06. Durante a fase total é que a Lua deverá ficar com a cor avermelhada, que pode variar entre um alaranjado ao vermelho tijolo. A Lua começa a sair da sobra, marcando o fim da fase total, às 05h24, já perto do amanhecer. Não é preciso nenhum instrumento para ver o eclipse, mas um telescópio ou uma luneta mais simples pode deixar o espetáculo ainda mais interessante, pois irá mostrar a sombra da Terra “caminhando” sobre as crateras e montanhas lunares.

Marte estará no céu, em sua máxima aproximação da Terra. Para ele sim, é preciso um instrumento para se distinguir o seu disco e outras características além de sua cor.

Esta foto fantástica foi obtida pelo meu amigo Ednilson Oliveira, professor e astrônomo, da sacada do seu apartamento em São Paulo! É possível ver uma das calotas polares abaixo à direita, algumas nuvens azuladas e um padrão circular deslocado um pouco do centro do planeta. Trata-se do maior vulcão do Sistema Solar, apropriadamente chamado de Monte Olimpo, com 27 km de altura!

Então vamos fazer assim, na segunda feira começamos com Marte a 92 milhões de km e de madrugada vamos de eclipse total da Lua. E vamos esquecer essa bobagem toda de Lua sangrenta!
----
Original com Cássio Leandro Dal Ri Barbosa - G1)
----
E mais:
Tétrade de Eclipses Lunares: “luas sangrentas” ou fenómeno natural? (AstroPT)

Nenhum comentário:

Postar um comentário