sexta-feira, 28 de março de 2014

Aceleradores de partículas e seus impactos na sociedade

(Tatiana Venancio - Com Ciência)  Física não costuma ser um assunto simples, principalmente para os não simpatizantes do tema, mas de qualquer forma, é inegável sua multi e interdisciplinaridade.

Muito tem se falado sobre os aceleradores de partículas, que são utilizados nas pesquisas abrangendo desde a nanociência até química dos derivados de petróleo, mas pouco se sabe sobre o real impacto de sua utilização no desenvolvimento da ciência e da sociedade como um todo, de forma direta ou indireta.

“Além de importantes descobertas científicas, tais como a recente descoberta do bóson de Higgs no grande colisor de hádrons (LHC, sigla em inglês para Large Hadron Collider) e a resolução de estruturas atômicas e moleculares, de cristais, amorfos, géis, proteínas e enzimas em síncrotron, os aceleradores permitem o desenvolvimento das mais variadas tecnologias: biotecnologia, nanotecnologia, computação e imagens, com importantes consequências para o avanço nas áreas de materiais, energia, medicina, entre outras”, afirma o físico Carlos Aragão, diretor geral do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM) e docente do Instituto de Física, da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Cern e suas contribuições diretas e indiretas para a população
O Cern (Organização Europeia de Pesquisas Nucleares) é um centro de pesquisa localizado na fronteira entre a França e a Suíça, onde físicos do mundo todo desenvolvem pesquisas acerca das estruturas fundamentais constituintes da matéria e do Universo. Para isso, os pesquisadores utilizam instrumentos de altíssima complexidade e tecnologia.

Para o físico Eduardo Gregores, professor da Universidade Federal do ABC, a busca pelo conhecimento é o motor de todo o desenvolvimento tecnológico. Neste contexto, podemos explorar projetos criados dentro do Cern que, inicialmente, não foram pensados para utilização fora do centro de pesquisa, mas acabaram se expandindo e trazendo grandes benefícios para a sociedade.

Um dos novos projetos do Cern pode ser apontado como exemplo. Trata-se do aparelho de detecção adiantada do câncer de mama, instalado no Hospital Universitário de Marselha e que poderá ser disponibilizado para uso no próximo ano. O aparelho permitirá detectar calcificações de um milímetro e o diagnóstico poderá ser adiantado em dois anos, tendo como referência os diagnósticos realizados atualmente.

Outra aplicação importante é o www, que foi criado em 1990 por Berners-Lee, um físico de partículas do Cern que tinha como objetivo o desenvolvimento de um sistema operacional para troca de informações entre os pesquisadores do centro.

Berners-Lee definiu os conceitos básicos da Web, - o URL, HTTP e HTML - , além de escrever o primeiro navegador e software de servidor. O info.cern.ch foi o endereço do primeiro site do mundo, rodando em um computador NeXT no Cern, e o primeiro endereço da página web do mundo foi http://info.cern.ch/hypertext/WWW/TheProject.html.

“Na época era necessário uma forma de trocar informações e documentações que eram muito extensas. Então, ele criou esse sistema entre computadores do Cern. Um ano depois, cientistas americanos do Stanford Linear Acelerator Center (SLAC), em Stanford, na Califórnia, instalaram o primeiro computador que podia compartilhar as informações contidas no Cern, tais como a biblioteca com artigos científicos digitalizados, instalando o primeiro website fora do Cern” confirma Gregores.

Esse fato possibilitou a colaboração de físicos do mundo inteiro com as pesquisas desenvolvidas no Cern, sem que houvesse necessidade de deslocamento dos mesmos. Passados alguns anos, os websites foram disseminados mundialmente.

“Isso é um exemplo de que pesquisas tecnológicas de ponta podem ter efeitos sociais que extrapolam qualquer imaginação” acrescenta Gregores.

LHC: O maior acelerador de partículas do planeta
Recentemente os pesquisadores do Cern obtiveram a confirmação da existência do bóson de Higgs, partícula subatômica, predita em 1964 e confirmada em 2012, proporcionando um novo entendimento acerca do Universo e suas partículas elementares.

Tal fato só foi possível devido à operação do maior colisor de partículas do planeta, o LHC desenvolvido no Cern.

Com 27 km de diâmetro, instalado a 100 metros de profundidade do solo, o LHC é considerado o aparato científico mais importante já criado na história da ciência, com custo aproximado de US$ 8 bilhões. O acelerador possui dois feixes de partículas que aceleram numa velocidade próxima a da luz, em direções opostas para colidir partículas e, dessa forma, estudar a dinâmica interna dessas partículas e as forças fundamentais do Universo.

No LHC, ímãs supercondutores são utilizados para a aceleração de partículas e são resfriados por um grande sistema criogênico. “O uso extensivo de imãs supercondutores, leva ao aprendizado da construção dos mesmos e a técnicas de criogenia. Esses desenvolvimentos são traduzidos em máquinas menores que são aplicadas à medicina”, explica Oscar Eboli, professor titular do Departamento de Física Matemática da Universidade de São Paulo.

Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS) e suas aplicações
O LNLS está localizado no Polo II de Alta Tecnologia, em Campinas, e abriga o único acelerador de partículas da América Latina, o acelerador de luz síncrotron, com 30 metros de diâmetro.

O síncroton é um aparelho usado para analisar as características microscópicas dos materiais, tendo como objetivo o estudo das propriedades das moléculas, auxiliando pesquisas que vão desde a busca por novos remédios contra o câncer até o desenvolvimento de materiais usados para extrair o petróleo do pré-sal.

Diferente do LHC, o acelerador de luz síncrotron possui somente um feixe, não colide partículas, acelera elétrons e, ao fazê-los circular, emite radiação síncrotron que é similar aos raios X. Esses raios são úteis para investigar com precisão a estrutura da matéria subatômica.

Recentemente células tronco de pluripotência induzida, diferenciadas em células cerebrais, passaram por análises espectroscópicas por raios X no LNLS, o que permitiu aos pesquisadores medir com precisão as quantidades dos elementos químicos presentes, evidenciando que indivíduos diagnosticados com esquizofrenia apresentam níveis elevados de potássio e zinco, os quais podem ser revertidos com o uso de medicamentos. A pesquisa busca perspectivas de novos tratamentos para esquizofrenia e está sendo realizada na Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Sirius: o novo acelerador de partículas brasileiro
Com previsão de inauguração em 2016, o novo acelerador de partículas brasileiro, o Sirius, que está sendo instalado junto ao acelerador já existente, e que está ligado ao CNPEM, promete acelerar as pesquisas no Brasil. O novo acelerador conta com uma potência cinco vezes maior do que o atual. O instrumento permitirá à comunidade científica, tecnológica e industrial do país colocar-se na fronteira da ciência, da tecnologia e da inovação em nível global.

“Sirius representa um novo paradigma para a ciência brasileira, pois será um acelerador de elétrons de maior energia e com feixes bem mais colimados que o UVX do LNLS. Isso permitirá resolver estruturas em escala nanométrica (tomografias 3D em escala de nanômetros), permitindo o estudo detalhado de materiais inorgânicos e orgânicos (proteínas, enzimas etc.). O estudo de materiais orgânicos é essencial para o desenvolvimento de fármacos e para a biologia molecular estrutural, ferramenta de extrema importância para várias aplicações biológicas. O estudo de catalizadores é outra área que muito se beneficiará”, comenta Aragão.

A energia operacional do Sirius será de 3 bilhões de elétrons-volts (GeV), comparada ao bem mais modesto 1,37 bilhão de elétrons-volts do UVX do LNLS, permitindo a produção de feixes de luz muito mais brilhantes do que os atuais. Também será possível produzir um tipo de raio X mais energético, capaz de penetrar materiais mais espessos.

Espera-se que o Sirius atraia pesquisadores de outros países tendo em vista que ele possibilitará o aprendizado e domínio de técnicas experimentais fundamentais. “Essas técnicas são importantes para o conhecimento de sofisticados equipamentos de medida” diz Aragão.

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