segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Cidades e cidadãos respiram ciência


(Flávia Gouveia - Com Ciência) O retrato de um lindo bebê numa tina de espumas chamou a atenção das pessoas nas ruas e nos espaços onde aconteceu a Feira Iberoamericana de Ciência, Tecnologia e Inovação – Empírika, em Salamanca, na Espanha, entre os dias 12 e 21 de novembro deste ano. Abaixo da foto, a fórmula que expressa o princípio de Arquimedes (E = mg = pfgV), segundo o qual todo corpo mergulhado num fluido em repouso recebe desse fluido uma força vertical para cima, de intensidade igual ao peso do fluido deslocado pelo corpo (nesse caso, igual ao peso da quantidade de água que transborda da tina quando o bebê entra nela). Em seguida, a frase: “Porque a ciência está em toda parte”.

É esse o espírito fundamental das feiras de ciência: relacionar o conhecimento científico com o cotidiano dos moradores das cidades onde elas acontecem,

esclarecer a todos que a ciência não está fechada em laboratórios e universidades, inspirar vocações, tornar os cidadãos participantes e coautores da cultura científica. “O ponto forte das feiras é o seu caráter de aproximação entre ciência e sociedade. Feiras de ciência são fundamentais para o processo de cidadania”, diz Miguel Ángel Quintanilla, promotor da Empírika, ex-secretário de Universidades e Pesquisa da Espanha e diretor do Instituto Universitário de Estudos da Ciência e Tecnologia (ECyT).

Para Quintanilla, é importante que a sociedade conheça a ciência para poder opinar sobre a atividade científica e, assim, ter uma postura cidadã. E o que se viu na Empírika foi a participação de famílias, grupos escolares, idosos, pessoas dos mais diversos perfis: uma menina curiosa, com seus oito anos de idade, que revisitava a feira a cada dia e não se intimidava nem com a garoa fina que caía em pleno domingo de manhã; uma senhora que se encantou com os experimentos mostrados na feira e desejou viver vinte anos mais para aproveitar as maravilhas da tecnologia; estudantes de diferentes idades assistindo com entusiasmo a uma animação em 3D sobre dinossauros; visitantes perplexos diante de robôs dançantes ou de um automóvel que percorre 600 Km com um litro de combustível. Enfim, a diversidade estava em todos os espaços da feira, tanto no público de mais de 30 mil visitantes como nos 32 estandes distribuídos em dois espaços na cidade, além dos pontos onde foram realizadas atividades paralelas.

Além de instituições espanholas, entidades de outros países tiveram estandes na feira, incluindo Portugal, com a Universidade de Aveiro, e o Brasil, com o Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor) da Unicamp, o museu de ciência Catavento e a Universidade Federal do ABC. Atividades paralelas foram realizadas, entre as quais a de maior apelo junto à população parece ter sido a de observação de Júpiter e suas luas às 23 horas na Praça Maior, cujas luzes foram apagadas especialmente para o evento de observação.
Público observa Júpiter nos telescópios levados para a Praça Maior,
como parte das atividades parelelas da Empírika

Desmistificando a ciência e o cientista
A proximidade da ciência com as pessoas, promovida pelas feiras e eventos abertos sobre ciência, tecnologia e inovação, influencia a percepção pública sobre o papel da ciência e do cientista. “Aquela imagem de que o cientista é um maluco, de cabelos arrepiados, enfurnado todo o tempo num laboratório, vai perdendo força quando as pessoas têm o contato promovido por esses eventos, mostrando que o cientista é um profissional como qualquer outro”, diz o engenheiro Sylla John Taves, que atuou durante cinco anos como gerente de projetos no Museu Exploratório de Ciências e hoje faz a coordenação técnica da exposição itinerante Nanoaventura, além do doutorado no Instituto de Artes da Unicamp. Ele também ressalta que as feiras e eventos públicos de ciência têm grande impacto sobre os jovens, estimulando o pensamento crítico, trazendo novas formas de ver a ciência, num ambiente diferente daquele da sala de aula.

Diferenças de público
Taves esteve também na feira Empírika representando o espaço cultural e educacional Catavento e conta que notou uma diferença no público da feira espanhola, em relação ao que viu nos eventos abertos de ciência dos quais participou no Brasil. “Ainda que o público escolar seja predominante em qualquer caso, percebi que na Espanha houve uma maior adesão de famílias, idosos e mesmo professores que visitaram o evento sem os grupos escolares, mas buscando material e conhecimento para empregar em sala de aula”. O coordenador técnico da Nanoaventura, exposição que ganhou uma réplica no espaço Catavento, relata que entre o público visitante do estande do Catavento na Empírika, esteve um senhor que lhe disse ter ido à feira para ver como estavam gastando seu dinheiro de cidadão pagador de impostos, e mostrou-se satisfeito. “Esse engajamento de cidadãos é um bom exemplo do impacto que eventos desse tipo podem trazer. A crise na Europa levou a uma postura de maior monitoramento das ações do governo pela sociedade e representou a necessidade da busca pela eficiência e redução de custos por meio da inovação, atrair o olhar das pessoas para os benefícios que o desenvolvimento da ciência e tecnolologia podem trazer na melhoria da saúde e da qualidade de vida é conquistar parceiros que irão aprovar altos investimentos em ciência e tecnologia mesmo nos períodos de crise, outra visão que não predominou no Brasil”, considera.

Descentralizar para democratizar
No intuito de ampliar o alcance e os impactos da próxima edição da feira Empírika, que acontecerá no Brasil em 2012, o organizador da edição brasileira, Carlos Vogt, que coordena o Labjor, planeja instalar polos de exposição em mais de uma cidade. “São Paulo e Campinas já são cidades com grande importância nacional na produção de ciência, tecnologia e inovação, e deverão ter espaços destinados às atividades da feira, como a Unicamp, a USP e o Catavento”, anuncia.

A maior novidade da edição 2012 em relação à Empírika deste ano será a ampliação do espaço virtual para visitação e exploração dos conteúdos e recursos reais. De acordo com Vogt, a ideia básica é incluir o maior número de pessoas possível e a internet quebra fronteiras físicas justamente nesse sentido. “Estamos estudando formas de navegação pelos espaços e participação das atividades à distância”, diz.

Quanto às atividades presenciais, o coordenador da nova edição da Empírika afirma que a experiência espanhola de incluir espaços fora dos estandes e horários alternativos, como as atividades realizadas no supermercado e na praça, será aproveitada e aprimorada tanto quanto possível. Ele reforça que “atividades que aproximam as pessoas da ciência são fundamentais e devem sempre ser estimuladas”. Agora, muitos visitantes da Empírika 2010 podem se lembrar do princípio de Arquimedes, ao ver um bebê no banho ou qualquer objeto imerso num fluido. Outros talvez pensem mais nas propriedades nutricionais dos alimentos ao ingeri-los e em tantas outras reflexões propostas no evento. Nas palavras de Vogt, “as feiras de ciência, tecnologia e inovação são formas fantásticas de educar o olhar, permitindo que se enxerguem fatos iguais de uma forma diferente e alimentando, assim, a criatividade e a curiosidade, que são a base da investigação científica”.

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