quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Não nos deixeis cair em contradição…

(Carlos Orsi - Estadão) Esta postagem está sendo motivada pelo seguinte comentário, deixado aqui na semana passada: “Existem diversos artigos que provam que o homem foi e outros tantos que o homem não pisou na Lua“.

Não vou entrar agora na discussão das teorias conspiratórias em torno do Projeto Apollo. O que chama a atenção é outro ponto: a ideia de que uma alegação de fato (tanto faz se é “o homem pisou na Lua”, “Lula é o atual presidente do Brasil” ou “2+2=4″) pode estar, ao mesmo tempo, “provada que sim” e “provada que não”.

Faz sentido, isso?

Lembro-me de ter achado curiosa, quando a encontrei pela primeira vez, a restrição absoluta e peremptória que a lógica clássica faz às contradições: um dos princípios fundamentais dessa lógica é o de que nenhuma afirmação pode ser, ao mesmo tempo, verdadeira e falsa — a definição de contradição.

Por um lado, a proibição de contradições faz sentido: por exemplo, num debate onde se busca chegar a uma conclusão (e não, apenas, exercitar a arte retórica), não é honesto primeiro defender uma posição e depois passar a atacá-la, e em seguida voltar a defendê-la. Uma estratégia assim tende a reduzir o diálogo a um jogo infrutífero e circular.

Além disso, a admissão de contradições gera problemas práticos intransponíveis.

Imagine que, se uma pessoa sofre da doença A, ela requer tratamento com a droga B, ou morrerá. Já uma pessoa que não sofra de A morrerá, se tomar B. Se admitirmos ser possível uma pessoa ter e não ter A, deveremos dar-lhe ou não B, e se dermos, estaremos salvando-a ou matando-a?

Por outro lado, proibir contradições parece exagerado e pouco realista — afinal, o mundo em que vivemos não é, como ensinam os marxistas, cheio de contradições? E a psicologia humana não está marcada por sentimentos contraditórios? E opiniões contraditórias não podem ser igualmente válidas?

As questões do parágrafo acima se resolvem, a meu ver, com uma simples faxina linguística: o que foi chamado de “contradição” ou “contraditório” ficaria muito melhor com o nome de “conflito” (a sociedade tem “conflitos”, não “contradições”; as pessoas têm sentimentos “conflitantes”, não “contraditórios”).

Quanto às “opiniões contraditórias”, elas podem, sim, ser ambas válidas (neste contexto, “válido” significa algo como “razoável” ou “merecedor de atenção”), mas não verdadeiras.

“Contraditório”, no caso, é uma espécie de senha para sinalizar incerteza: quando dizemos que “X e Y são contraditórios mas igualmente válidos”, o que realmente estamos dizendo é que “Não sabemos o suficiente para decidir quem está certo, se X, Y ou nenhum deles”.

O ideal, nesse caso, é buscar o conhecimento que falta para fazer a adjudicação final. Afirmações discordantes não podem estar ambas certas — não ao mesmo tempo e num mesmo contexto.

Mas se nem todo mundo pode estar certo, nada impede que todos os lados discordantes estejam simultaneamente errados. O que é uma boa lembrança, neste mundo cada vez mais polarizado em que vivemos.

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