Ele defende uma ciência mais perto do público não-especializado. Já escreveu vários livros e lidera um curso diferenciado para apresentar a ciência a não-cientistas. Físico e astrônomo, Marcelo Gleiser é a favor de um ensino diferente, mais prático e mais interessante. Para ele, foi sorte ter tido bons professores de ciências
(O Povo) Marcelo Gleiser é pesquisador, professor, cientista, autor de livros. Um contador de histórias. Carioca, 51 anos, mora nos Estados Unidos, onde é professor titular de física e astronomia no Dartmouth College, em Hanover. Também ensina ciência para quem não quer ser cientista. O curso que criou, “Física para poetas”, é famoso na universidade em que leciona. É por meio dele que Marcelo Gleiser conta a “história das ideias”, sem “complicações técnicas”, como ressalta.
Ele conversou com O POVO por e-mail. Discutiu o ensino de ciência na escola e opinou. Para ele, os estudantes precisam, antes de estudar a teoria, conhecer a Natureza. Assim mesmo, com letra maiúscula. A empolgação do professor também conta muito. Não basta passar lições. É preciso contar histórias. E só conta história quem está envolvido com ela, quem gosta do que faz e quem ousa tentar sempre o melhor.
Marcelo é contra a ideia do criacionismo nas aulas de ciência. Acredita que o assunto deveria ser retirado dessas aulas. Lá não é o lugar para discutir a criação do universo e da humanidade por algum ente sobrenatural, pensa ele. Que deixe o tema para as aulas de sociologia, sugere.
Doutor em física teórica pelo King’s College da Universidade de Londres e ex-bolsista da Nasa e da Otan, Marcelo Gleiser recebeu, em 1994, do então presidente norte-americano Bill Clinton o prêmio Faculty Fellows Award. Mérito por seu trabalho de pesquisa em cosmologia e por sua dedicação ao ensino. É autor dos livros A dança do Universo, O fim da Terra e do céu, Micro e Macro, Micro e Macro 2, Poeira das estrelas e Mundos Invisíveis, além do romance A harmonia do mundo. Recebeu dois prêmios Jabuti por seus livros de divulgação científica. E continua contando história. (Daniela Nogueira)
O POVO – Como fazer alunos se interessarem por ciência e tornar o assunto agradável?
Marcelo Gleiser – Acho que duas coisas podemajudar. Primeiro, usar o meio ambiente, a Natureza como laboratório; levar as crianças nos parques, nas praças, mostrar o céu, o sol, as árvores e insetos, enfim, mostrar a Natureza antes de estudá-la. Outra ideia é explorar a vida dos cientistas, como costumo fazer nos livros. Afinal, cientistas são seres humanos e muitos com histórias superinteressantes.
OP – O que dificulta o ensino de ciência: a falta de preparo do professor ou a falta de recurso?
Marcelo Gleiser – Acho que ambos são aspectos problemáticos; outro problema se relaciona com o que escrevi acima, como motivar o estudo da ciência de modo que se torne algo interessante e gratificante para as crianças. O que vejo é que curiosidade não falta. Mas o professor precisa gostar do que ensina, estar bem preparado. Como você vai empolgar um jovem a estudar algo se não tem interesse no material? Essa motivação é ainda mais importante do que recursos. Sem paixão, fica difícil ensinar.
OP – O senhor mantém a ideia de que o criacionismo deve ser abolido da escola? Por quê?
Marcelo Gleiser – Com certeza, ao menos nas classes de ciência. Simplesmente porque criacionismo não é ciência. Agora, se alguém quiser estudar o criacionismo como fenômeno cultural numa classe de sociologia ou de história da religião, tudo bem. Só nunca como substituto ou explicação da teoria da evolução!
OP – Como lidar com ciência e religião na escola?
Marcelo Gleiser – Deve-se ter cuidado para se distinguir os objetivos de cada uma. Ciência tem um modo de operar diferente da religião. Não depende de julgamentos subjetivos, ao menos na prática. Não depende de hierarquias ou de revelações baseadas em crenças sobrenaturais. São coisas diferentes, que atendem a necessidades diferentes da sociedade e do indivíduo. Digamos apenas que ambas atendem a anseios humanos.
OP – Qual a sua avaliação sobre o ensino de ciência no Brasil?
Marcelo Gleiser – Existem “ensinos” da ciência no Brasil; não é uma coisa homogênea. Escolas privadas têm recursos e professores bem preparados e oferecem uma educação de altíssimo nível. Infelizmente, isso não ocorre no ensino público. O que é lamentável, pois quem perde é o país. Com uma população de 200 milhões de pessoas, é fundamental que o ensino de ciência seja de boa qualidade para a maioria dos estudantes, e não para a minoria. Caso contrário, fica comprometido o futuro do progresso nacional.
OP – O senhor pode comentar sobre o curso que criou, o “Física para Poetas”?
Marcelo Gleiser – É um curso desenhado para alunos que não são da área de ciências, em geral pessoas das humanas ou ciências sociais. Daí, os “poetas”. O nome oficial do curso é “Dos átomos ao Big Bang”. Não falo tanto de poesia, mas trato da ciência sem as complicações técnicas da matemática e do jargão. É o que chamamos de um curso de história das ideias, inserindo a ciência no contexto cultural em que ela foi e é desenvolvida.
OP – O que faz esse curso tão diferente e tão popular?
Marcelo Gleiser – A razão é justamente o enfoque histórico e cultural. É perfeitamente possível falar de ciência, aprender mesmo os conceitos mais importantes, sem ter que resolver equações. Claro, ninguém sai do curso cientista. Mas, sim, informado sobre o que é ciência.
OP – Como foi o ensino de ciência na época em que o senhor era aluno? O que o fez se interessar pela área e se tornar um cientista?
Marcelo Gleiser – Tive a sorte de ter alguns bons professores de ciências. Mas acho que meu interesse veio de mim mesmo, do fascínio que sempre tive pela Natureza. A paixão pela ciência pode ser inspirada por bons mentores, mas precisa também vir de dentro da pessoa.
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