(Carlos Orsi - Estadão) Faz algum tempo, estávamos conversando aqui na redação sobre as campanhas de vacinação contra gripe e uma colega sugeriu uma entrevista com alguém que se opusesse à vacina, para equilibrar a pauta. Eu disse que não valia a pena. E acho que, por alguns instantes, o pessoal ficou meio chocado — como assim, “não vale a pena” ouvir o outro lado?
Creio que a primeira vez em que tive contato com a questão foi ao ler o volume Flim-Flam!, de James Randi, no qual o autor se pergunta por que noções já demonstradamente falsas (como, digamos, a Maldição de Tutancâmon, o Triângulo das Bermudas ou o Óvni de Roswell) ainda se mantêm vivas, como fatos ou possibilidades de fato, na consciência popular. Sua resposta incluiu uma série de fatores, dos quais o que mais me marcou foi: “Jornalismo irresponsável”.
Mais recentemente, numa postagem do Twitter, o astrônomo e divulgador da ciência Phil Plait queixou-se — estou parafraseando agora — da “falácia do equilíbrio” que assalta a mídia quando o assunto é ciência. E há exatamente um mês, o colega jornalista-e-blogueiro Reinaldo José Lopes enfiou o pé na jaca virtual — com consciência e objetividade — ao tratar da questão, aplicada especificamente ao problema do aquecimento global.
O fato é que “ouvir o outro lado” ou “abrir o contraditório” é um bom princípio geral para o jornalismo, mas aplicá-lo a questões de ciência e saúde requer uma cautela especial.
Mas é fácil entender o porquê: imagine, por exemplo, se cada vez que se fosse escrever algo sobre satélites em órbita da Terra, fosse preciso ouvir também a Sociedade da Terra Plana; ou se toda nota a respeito da entrada de uma nova estação tivesse de vir acompanhada de uma ressalva sobre os geocentristas contemporâneos.
Absurdo, certo? A forma da Terra e sua posição em órbita do Sol são fatos bem estabelecidos, e polemizar sobre eles faz tanto sentido quanto polemizar sobre a impossibilidade de se viver sem ar.
O problema é que existem muitos outros fatos que estão bem estabelecidos pela ciência mas que ainda não penetraram o senso comum da mesma forma que o sistema heliocêntrico fez (num processo de séculos, aliás).
Valendo-se disso, diversos grupos (muitos deles bem-intencionados, diga-se) tentam se apresentar para a mídia como portadores de alternativas legítimas. E o jornalista incauto acaba correndo o risco de, na busca de uma “visão equilibrada”, deseducar o público.
Aliás: a questão específica do dano que essa noção de “outro lado a qualquer preço” pode causar à saúde pública é bem explorada pela colega Fabiane Leite, aqui e aqui.
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