quarta-feira, 16 de julho de 2014

Culpa por associação ou glória refletida - como generalizações são usadas (de forma errônea) para provar teorias



(Olhar Cético - Galileu)Segundo reportagem publicada, em 1938, numa revista inglesa de decoração e paisagismo, Adolf Hitler tinha uma linda casa de campo, era vegetariano, abstêmio, criava cães e não fumava. Biografias afirmam que Johannes Kepler, um dos pais da astronomia moderna, traçava horóscopos. E, embora eu não tenha uma referência exata para citar no momento, parece-me perfeitamente claro que Josef Stálin acreditava que 2+2=4.

E o que tudo isso quer dizer? Absolutamente nada. Mas não falta gente por aí disposta a argumentar que, se a figura histórica ou celebridade A tinha o comportamento B ou sustentava a crença C, então B e C estão automaticamente provados e referendados ou, ao contrário, são obviamente falsos, errados, imorais.

O raciocínio é o seguinte: se Hitler não comia carne, não bebia e não fumava, fica provado que todos os movimentos de direitos dos animais e contra o álcool e o tabagismo são, no fundo, fascistas; se Kepler, um dos maiores gênios da história da ciência, fazia horóscopos, então a astrologia não tem como ser falsa; e se Stálin acatava os princípios fundamentais da aritmética, então o comunismo soviético é perfeitamente lógico. Ou a lógica matemática é coisa de tiranos comunistas. Você escolhe.

Os fenômenos envolvidos aí são “culpa por associação” (Hitler vegetariano) ou “glória refletida” (Kepler astrólogo). Nenhum deles tem valor lógico, mas o apelo que exercem sobre a intuição e o inconsciente é enorme. Se não fosse, não veríamos tantas celebridades endossando bobagens em comerciais – um caso de “glória refletida” – nem tanta ranhetice no discurso político, onde a “culpa por associação” é explorada ad nauseam.

Como boa parte dos “bugs” cognitivos que anuviam o juízo humano, tanto a “glória refletida” quanto a “culpa por associação” são versões exacerbadas de um simples atalho mental que, em condições normais, é bastante útil: nossa capacidade de reconhecer exemplos e de levá-los em conta.

O problema com isso é que exemplos nem sempre são, realmente, exemplares: podem ter aplicação ampla demais (como no caso de “acreditar que 2+2=4”) ou, ao contrário, não ser representativos da categoria envolvida (“Hitler vegetariano”). Talvez dependam de um contexto que não é claramente enunciado (“Kepler astrólogo”). Ou podem apenas ser irrelevantes. A seleção cuidadosa de exemplos descontextualizados para apoiar um argumento é uma das formas mais refinadas de canalhice intelectual.

Foi exatamente por causa disso que a humanidade teve de inventar a estatística, que é a arte e a ciência de colecionar exemplos e de interrogá-los com rigor. Um exemplo isolado apenas mostra que o evento exemplificado não é impossível – e mesmo essa conclusão requer cautela, como qualquer um que já tenha visto um mágico serrar uma mulher ao meio sabe.

Pode ser difícil escapar da tentação de validar “exemplos” que na verdade nada exemplificam, mas alguma atenção ajuda. De início, vale recordar um conselho útil que aparece num guia de autoajuda lá do século 19: “Nunca tente passar a impressão de que você é um gênio imitando os maus exemplos de homens eminentes”.

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