sexta-feira, 26 de abril de 2013

"Caso continuem cortando verbas na ciência, a Terra voltará a ser plana"

(El País /UOL) "Um sistema de ciência não exige a caridade de um Estado opulento, mas sim o investimento constante de alguém que olhe para o futuro", afirma o astrofísico Javier Armentia, diretor do Planetário de Pamplona. A Espanha era há alguns anos um país opulento que podia se permitir o luxo da ciência? Muitos pensavam que fosse um país que olhava para o futuro. Até que veio a crise.

O governo está afogando a ciência espanhola com cortes drásticos de financiamento, paralisia de programas que até há pouco se desenvolviam com normalidade, adiamentos de convocações de contratos que, na realidade, representam cancelamentos e redução de bolsas e de apoio aos jovens cientistas, o que provoca a fuga de cérebros.

Maus tempos para a ciência na Espanha. E não só para a que se desenvolve nos laboratórios, universidades e centros de pesquisa. Também está se afogando todo o conglomerado de atividades de divulgação, educação e difusão do conhecimento científico, essa questão pendente que começava a ser superada.

"A Espanha sempre teve uma cultura mais humanista, e agora está desmoronando o ímpeto da cultura científica que havia começado", indica Elías Fereres, presidente da Real Academia de Engenharia e ex-secretário de Estado de Pesquisa.

"A ciência é um artigo de primeira necessidade para um povo, é um alimento básico da coletividade para poder construir o futuro, para poder fazer pesquisa e inovação, para poder produzir, e a divulgação científica é um alimento da sociedade para construir uma democracia autêntica", diz Ramón Núñez, diretor do Museu Nacional de Ciência e Tecnologia (Muncyt na sigla em espanhol).

Em princípio, todos de acordo, mas quando chegam as vacas magras, o que parecia uma necessidade se transforma em secundário e prescindível. Cerca de 300 mil pessoas (dentre elas 90 mil escolares) visitam todo ano o museu científico Cosmocaixa em Alcobendas (Madri). Agora ele está no ar. "A Obra Social La Caixa decidiu reorientar seu programa Ciência em Sociedade na Comunidade de Madri, com o objetivo de chegar a um maior número de públicos de maneira mais eficiente, decisão que envolverá o fechamento do Museu da Ciência Cosmocaixa até o final do ano", declara um porta-voz da entidade. Seu museu de Barcelona recebe 800 mil visitantes por ano, destaca. Em resumo, as administrações públicas cortam verbas na ciência, mas o setor privado também.

Divulga é uma empresa de comunicação científica que cuida de relações públicas de órgãos de pesquisa ou de empresas, edita livros, prepara exposições, organiza congressos ou cria conteúdos para web para universidades, museus, instituições de P&D, fundações e bancos. "Minha experiência indica que existe um autêntico interesse pelo fomento da cultura científica, mas os cortes que sofrem em seus orçamentos os obrigam a eliminar ou minimizar as ações que realizam, suprindo a falta de meios com imaginação e atividades de muito baixo custo", indica Ignacio Fernández Bayo, diretor da Divulga. A evolução de seu faturamento nos últimos anos parece um indicador da tendência geral: alcançou seu máximo em 2006, diminuiu um pouco em 2007 e se manteve estável durante três anos, como se todos esperassem que a depressão econômica durasse pouco. "Desde 2011 nosso faturamento se reduziu e hoje é um quarto do de 2006", salienta Fernández Bayo.

"A situação é terrível no mundo da divulgação científica, de desmantelamento e fechamento para demolição", queixa-se Armentia. "Nós que trabalhamos nisto sabemos que se tivermos de sustentar o sistema educacional e o de saúde, queixarmo-nos pelos museus de ciência parece cosmético. Mas não é", acrescenta, e descreve a situação: "Demissões em museus, fechamento de centros científicos, cancelamento de projetos ou desaparecimento de um impulso que pouco a pouco começava a pôr a ciência na agenda cultural". No Planetário de Pamplona, a redução do financiamento autonômico, explica, é este ano de 97%, sobre um corte anterior de mais de 30%. Sim, a resposta do público e o interesse crescente das pessoas mantêm vivas as atividades do Planetário, a Semana da Ciência, os ateliês ou os debates. "A cultura é algo que em tempos de cortes é posta no lado do supérfluo, e a parte da cultura científica ainda mais", comenta Armentia, e lembra a frase do ex-presidente da Universidade Harvard Derek Bok: "Se você acredita que a educação é cara, experimente a ignorância".

O Muncyt nasceu em tempos de bonança econômica e lhe coube desenvolver-se em tempos de depressão. "Talvez tenhamos renunciado a sonhos, mas não renunciamos aos planos", diz Núñez. O museu mantém diversas atividades com os recursos disponíveis, acrescenta, puxando pela criatividade e imaginação. E salienta: "As perdas em educação e cultura científica significam danos irreparáveis, não só para o presente como para o futuro de uma sociedade".

A ciência, em qualquer de seus âmbitos e facetas, não é algo que se ativa quando convém, que se desliga quando chegam as vacas magras e se possa voltar a pôr em movimento automaticamente quando os cofres permitem retomar o investimento. "É muito perigosa essa mensagem de 'Não acontece nada, podemos parar e voltar a andar depois', porque as pessoas podem se inibir, voltar à ideia de que a ciência é algo que acontece em outros países; e seria muito difícil retomar o entusiasmo social do esforço pelo avanço da P&D", opina Miguel Ángel Quintanilla, catedrático de filosofia da ciência na Universidade de Salamanca e ex-secretário de Estado de Pesquisa.

O panorama é tão escuro? Entre 2009 e 2012, o financiamento da P&D caiu mais de 31% (subvenções), passando de 4,174 bilhões de euros para 2,860 bilhão. Em 2013 o corte é de 13,9%, segundo dados da Confederação de Sociedades Científicas da Espanha (Cosce). Além disso, grande parte dos orçamentos fica sem gastar, o que significa que o dinheiro investido é menos ainda.

O efeito negativo envolve todo o sistema de P&D. Nos contratos Ramón y Cajal de cientistas de alto nível já se perdeu um ano por cortes e atrasos, e pode-se perder outro por adiamento; o financiamento dos projetos de pesquisa do Plano Nacional de P&D+i está cambaleando e milhares de cientistas continuam esperando que se abra a convocação este ano para apresentar seus projetos. Os da anterior ainda não sabem como e quando receberão o dinheiro, e todos andam tateando em seus projetos científicos diante das incertezas que a Secretaria de Estado de Pesquisa (Ministério da Economia e Competitividade, Mineco) não esclarece.

O CSIC continua pendente do resgate de 100 milhões de euros de que necessita para não parar. O dinheiro não chega e o Mineco não responde à urgência que tem a maior instituição científica espanhola. A Espanha deixou de pagar sua cota à Fundação Europeia da Ciência e tem uma dívida vultosa com a do Laboratório Europeu de Física de Partículas (Cern). Reduziu tão drasticamente sua participação nos programas da Agência Espacial Europeia (ESA) que as empresas do setor temem um colapso da atividade e do emprego. Espanha e Portugal são os únicos países que ainda não se comprometeram no futuro telescópio gigante europeu E-ELT, quando seus sócios no Observatório Austral Europeu (ESO) já estão prontos para começar esse grande projeto. Dezenas de arqueólogos viram paralisados seus trabalhos internacionais já aprovados, porque a Fazenda recusou os pagamentos.

A Espanha passou do nono lugar mundial em número de publicações científicas para o décimo (a Índia se colocou à frente) e seu esforço em P&D caiu, afastando-se sua porcentagem do PIB da média europeia. Apesar de tudo, há algum dado positivo: aumenta o número de cientistas espanhóis que concorrem por fundos do Conselho Europeu de Pesquisa (ERC) e conseguem mais projetos (44 em 2012, frente a 31 em 2009). Mas os especialistas advertem que esses resultados positivos se devem à inércia do sistema, que reage ao esforço dos anos passados.

"O sistema espanhol de ciência já está sofrendo um dano estrutural, embora ainda seja cedo para avaliar quanto", explica Quintanilla. "Tínhamos um atraso e havíamos iniciado o caminho da modernização da Espanha ao nível científico, e esta situação atual representa uma ruptura que vai demorar para ser retomada. Pode-se perder uma geração."

Perguntado há alguns dias, no fórum Nova Economia, sobre se corria o risco de passar à história como o ministro que parou o progresso da Espanha em inovação e P&D, Luis de Guindos respondeu: "Tivemos que fazer um ajuste no âmbito de P&D+i que foi doloroso, devido aos ajustes orçamentários". Depois declarou: "Temos que buscar a vida de outras formas". Sua receita inclui priorizar os projetos, "buscar fontes de financiamento alternativas à orçamentária" e tentar maximizar os retornos do financiamento de Bruxelas. Disse que se trata "de fazer mais com menos". O ministro completou sua visão indicando que é fundamental "que a P&D+i se integre na competitividade da economia espanhola, e para isso é fundamental que busque retornos no âmbito dos mercados, porque isso também justificará grande parte do gasto realizado".

Mas em ciência, esclarece Quintanilla, "estamos falando de coisas que não têm valor mercantil, senão valor estratégico, e muito alto". Enquanto isso, os países desenvolvidos e vários em desenvolvimento pensam mais em termos de investimento que de gastos em P&D e, apesar da crise, seus governos mantêm ou aumentam o financiamento público da ciência e tecnologia.

"O atraso que está ocorrendo é bastante preocupante no sentido de que os outros países avançam e nós ficamos para trás", salienta Fereres. "Não é que se perca totalmente o trem, mas se muda de vagão para um mais atrás." E as dificuldades não se limitam à pesquisa científica, indica esse engenheiro que foi presidente do CSIC. "O desenvolvimento tecnológico também se ressente porque as dificuldades das empresas para conseguir financiamento têm efeitos muito negativos, inclusive em longo prazo; a tendência limitada que estava se criando se freia." A máquina vai parando porque não se alimenta, aponta Armentia, e lembra que custa mais empurrar um carro que está parado do que fazer que se mova mais rápido um que anda, mesmo que lentamente.

O blogueiro Daniel Díaz lançou há pouco um tuíte: "Caso continuem cortando verbas na ciência, a Terra voltará a ser plana".

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