sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Chuva de ETs sobre a Índia?

(Carlos Orsi - Estadão) Você talvez já tenha lido ou ouvido falar, vagamente, sobre a “chuva vermelha” que atingiu parte da Índia em 2001. Na época, surgiu um noticiário um tanto quanto sensacionalista dando a entender que as partículas vermelhas presentes na água da chuva seriam fragmentos de um meteorito ou até “bactérias alienígenas”. Mas uma investigação realizada por cientistas indianos concluiu que se tratavam de esporos de um tipo de líquen.

Partículas da chuva vermelha de Kerala


A hipótese alienígena, no entanto, era interessante demais para ser deixada de lado, e voltou com tudo no fim de agosto, com a publicação online de um artigo científico descrevendo como as partículas da chuva vermelha se reproduzem — quando submetidas a uma temperatura mínima de 121ºC.


Esse artigo tem a distinção especial de ser assinado por ninguém menos que Chandra Wickramasinghe, pai, juntamente com o falecido Fred Hoyle, da versão moderna da hipótese da panspermia, segundo a qual a vida na Terra teria sido semeada por partículas, ou mesmo organismos, vindos do espaço.


(Hoyle, um grande cientista que deu importantes contribuições à teoria da formação de elementos químicos no interior das estrelas, foi preterido pelo Prêmio Nobel, supostamente por sua defesa de teses pouco ortodoxas — além da panspermia, ele se batia pela teoria do “Universo de estado estável”, que descarta o Big Bang como ponto inicial da expansão do cosmo. Ele ainda escreveu meu romance de ficção científica favorito, A Nuvem Negra.)


No artigo de agosto, Wickramasinghe e colegas descrevem como as partículas vermelhas da chuva aumentam de número, com células “filhas” se formando no interior de células “mães”, quando submetidas a uma temperatura letal para a maioria das formas de vida terrestres.


O “paper” não chega a afirmar uma origem alienígena para as criaturas, lembrando que na Terra mesmo existem organismos extremófilos, que prosperam em condições que a vida “normal” consideraria desesperadoras. Curiosamente, os extremófilos vêm sendo muito estudados como modelos para hipotéticas formas de vida extraterrestres.


Nebulosa do Retângulo Vermelho: cheia de vida?


Completando o argumento, a equipe de Wickramasinghe informa que as células da chuva vermelha cintilam, quando excitadas por luz ultravioleta, de forma que corresponde, de um modo “impressionante” (dizem os autores) à cintilação da Nebulosa do RetânguloVermelho — acima, em foto do Hubble. E a cintilação da nebulosa, nas palavras do artigo, não é explicada por “um modelo não biológico convincente”.


Retângulo Vermelho fica a uns 2.000 anos-luz daqui.


E onde tudo isso deixa a nós, leigos? É importante, primeiro, reforçar que em nenhum momento do artigo os pesquisadores afirmam que a chuva vermelha teve, de fato, origem alienígena. Eles apenas apontam indícios e argumentos que aparentemente favorecem essa hipótese.


O trabalho provavelmente será criticado por outros cientistas, que talvez até tentem reproduzi-lo e oferecer interpretações diversas. Se obterão sucesso é algo que temos de esperar para ver.


Eu pessoalmente fico torcendo para que Wickramasinghe esteja certo — um Universo onde micróbios se formam no vácuo ao redor de estrelas distantes e depois caem do céu me parece muito mais interessante que um onde a abiogênese se dá em oceanos ou poças de lama primordial — mas existe uma diferença entre preferência estética e convicção racional.


Como dizem os colegas de ultramar, a ver veremos.

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