terça-feira, 31 de agosto de 2010

Ode à Astronomia - 2ª parte

(Daniel Soler - iG) Transcender. Esta é pra mim a palavra que talvez melhor represente o significado de Astronomia.

Por meio dela, é possível transcender o nosso dia-a-dia. Por meio dela, é possível compreender que existe algo maior, maior do que todos os pequenos problemas que nos afligem todos os dias em nossas rotinas, em nossos cotidianos. Que estamos totalmente imersos em algo muito maior.

Que estamos num minúsculo e belo planeta azulado, que chamamos de lar, que chamamos de Terra. Lar este, a partir do qual temos uma imensa janela, aberta para o Cosmos: o nosso céu, céu azul, céu noturno, salpicado de estrelas, o nosso céu. No qual somos capazes de enxergar verdadeiras maravilhas, que a Natureza se encarregou de construir durante bilhões e bilhões de anos de evolução e de história.

No céu, podemos todos os dias presenciar o belo espetáculo do crepúsculo, que se forma próximo ao horizonte, logo antes, ou logo depois do Sol - a fonte de toda a energia existente em nosso planeta - pura e simplesmente, cruzá-lo.

Podemos ver, semana após semana, mês após mês, a nossa Lua, o satélite natural de nosso planeta, aparentemente a realizar uma belíssima dança ao redor do Sol - na verdade uma dança ao redor de nós, da Terra -, mudando sua aparência - suas fases - tal qual um dançarina que tenta seduzir seu parceiro de dança, incessantemente. Num ciclo que se repetirá sempre, para sempre.

Podemos ver também, a olho nu, outros cinco dançarinos, estes mais discretos, mas nem por isso menos talentosos, movimentando-se, mês após mês, ao redor do Sol. São os planetas Mercúrio, Vênus, Marte, Júpiter e Saturno, alguns dos muitos companheiros da nossa Terra, no eterno baile que ocorre em nosso sistema solar, com planetas, planetas anões, luas, asteróides, cometas, meteoróides e poeira, dançando, milênios após milênios, ao redor de nossa estrela mãe. Certamente não foi à toa que Johannes Kepler “ouviu” a música das esferas.

Mas é claro que todo baile precisa de uma bela decoração. E neste baile, que ocorre acima de nossas cabeças, noite após noite, não poderia existir decoração mais apropriada do que as milhares de estrelas existentes no céu noturno. E quão magnífico não é o pensamento e o entendimento de que cada um desses cintilantes pontos luminosos, nada mais é do que um outro baile, ocorrendo num lugar tão distante daqui, tão distante, que os raios de luz vindo de lá estavam há muitos e muitos anos viajando pelo espaço existente entre nós. Só para nos mostrar o que estava acontecendo por lá, naquele baile!

Mas, talvez, seja ainda mais magnífico saber, que tudo isso que somos capazes de ver com nossos olhos desarmados - a olho nu -, não corresponde se quer a uma ínfima parte de tudo o que existe no Universo. Seja porque o todo mais que existe está muito distante de nós, seja porque a maior parte desse todo nos é realmente invisível - pelo menos invisível aos nossos olhos.

Graças à imprescindível ajuda dos profissionais-irmãos - físicos, engenheiros, matemáticos, químicos e biólogos, principalmente -, os astrônomos, ao longo dos últimos séculos, desvendaram o véu que escondia dos seres humanos a existência de tantas e tantas e tantas coisas, que sabemos hoje existirem fora do nosso Pálido Ponto Azul.

Com os avanços tecnológicos, provindos do incansável trabalho, em parceria com todos esses profissionais-irmãos, foi possível aos astrônomos construir telescópios e equipamentos, e elaborar teorias e novos conhecimentos, capazes de mostrar aos nossos limitados olhos, e de fazer nossos sub-utilizados cérebros compreenderem, um pouco da incomensurável complexidade e diversidade existentes Universo a fora.

Estrelas binárias, sistemas triplos de estrelas, sêxtuplos até! Aglomerados de estrelas, com centenas de milhares de estrelas-irmãs, nascidas da mesma nuvem de gás e poeira primordial! Imensas nebulosas dos mais variados tipos, cores e tamanhos! Algumas verdadeiros berçários estelares, outras verdadeiros cemitérios! Muitos destes últimos contendo os restos - remanescentes - de explosões magníficas e espetaculares de estrelas que ocorreram no momento de suas mortes, e que fizeram com que todo o material contido dentro delas se espalhasse para o meio interestelar!

Buracos negros, estrelas de nêutrons, magnetars, anãs brancas, anãs marrons e anãs negras, uma verdadeira família de objetos exóticos e misteriosos! Ainda sobre os quais existem as mais diversas questões, sedentas por respostas, as quais certamente virão por meio de mais e mais descobertas que ocorrerão nos próximos anos e décadas.

E pensar que existem exemplares de todos esses objetos, até aqui citados, bem “perto” de nós, dentro da nossa própria Galáxia! Ah, sim, como poderíamos deixar de falar desse inigualável véu esbranquiçado, que se estende de horizonte a horizonte no nosso céu noturno? Nossa Galáxia, a Viá Láctea, nosso Universo-Ilha. Endereço de todos os objetos que somos capazes de observar a olho nu. Excetuando-se apenas três, três pálidas manchinhas no céu: a Pequena e a Grande Nuvens de Magalhães, e a Galáxia de Andrômeda, galáxias literalmente vizinhas da nossa.

Há cerca de 100 anos apenas, fomos capazes de compreender que nossa Galáxia é só mais uma dentre - hoje acreditamos - cerca de 1 trilhão de galáxias! 1 trilhão! Das mais variadas formas, com os mais diversos tamanhos, espalhadas por todo o Universo! Organizadas em aglomerados, e até em superaglomerados de galáxias. Muitas delas distantes de nós o suficiente, para que a luz, vinda delas, tenha viajado bilhões de anos até chegar ao nosso planeta! Bilhões! Praticamente a idade que se supõe ter o nosso próprio Universo!

E mais recentemente, há pouquíssimos anos, novas descobertas ainda, tem deixado a comunidade científica verdadeiramente perplexa e atônita, dadas a importância e a imprevisibilidade delas, dado o impacto que elas tem causado sobre todo o conhecimento acumulado, em todos esses séculos de trabalho.

Só para citar duas: constatou-se, primeiro, que cerca de 96% (!) de tudo o que existe no Universo, simplesmente não parece ser feito nem de matéria nem de radiação. Dá pra acreditar? Simplesmente quase tudo que existe, é feito de coisas - matéria e energia “escuras” - que não têm a forma daquilo que conhecemos, que não são nem essa matéria de que somos feitos, nem essa radiação que somos capazes de enxergar, ou pelo menos capazes de construir aparelhos que conseguem detectar.

E segundo: já são hoje quase 500 (!) planetas efetivamente catalogados fora de nosso sistema solar. 500! Ou seja, se supormos, por um momento, que seja comum então, a existência de planetas “bailando” ao redor de outras estrelas, e tomando-se ainda uma média, baixíssima, de 1 planeta por estrela... só em nossa Galáxia devem existir da ordem de 100 bilhões de planetas! E no nosso Universo, talvez 100 bilhões de trilhões...!

Some isso, ainda, ao fato de que os astroquímicos e astrobiólogos já foram capazes de detectar a existência de moléculas orgânicas, de grande complexidade, em diversos pontos de nossa Galáxia. Não lhe parece então ser só uma questão de tempo (talvez muito tempo concordo, mas talvez até que não...), que venhamos a realizar a maior de todas as descobertas da história da raça humana: a existência de vida fora de nosso humilde e singelo planeta azul, nosso lar, a Terra?

Será possível então que, durante todos esses anos, esses milhares de anos, em que a raça-humana ficou a observar o céu, a se questionar sobre ele, e a ir em busca de respostas às mais variadas perguntas, que surgiram por causa desse céu... será que em todos esses anos estivemos sendo observados? Será que há seres vivos e inteligentes lá fora? Olhando ainda para seus céus, e se perguntado se há seres vivos e inteligentes lá fora???

Será que um dia conseguiremos nos comunicar com eles, caso existam?

Não há como tomar conhecimento de todas essas coisas, de todos esses fatos, de todas essas descobertas, e não perceber que fazemos parte de algo muito maior - maior em todos os sentidos da palavra -. Maior e mais complexo até, talvez, do que sempre seremos capazes de assimilar, e mesmo até capazes de aceitar. Um todo que talvez nunca nos seja possível conhecer plena e completamente. Mas que talvez, por isso mesmo, nos instigue, eternamente, a buscar mais, a querer mais, a desejar conhecer mais. A ir além.

Por meio da Astronomia, acredito assim que pode-se ir além. Além do que se é capaz de imaginar, além do que se é capaz de fazer. Por meio dela, podemos transcender.

Somos parte de tudo isso, estamos no meio disso, somos parte do todo, do Cosmos, do Universo. É maravilhoso pensar nisso, pensar que fazemos parte dessa imensa complexidade, presente ao mesmo tempo em cada átomo, em cada molécula, em cada célula, em cada órgão, em cada parte de nosso corpo, de nossa mente, de nosso pensamento, de nós, simplesmente de nós. E, ao mesmo tempo, presente em cada grão de poeira, em cada meteoróide, em cada asteróide, em cada cometa, em cada planeta, em cada estrela, e em cada galáxia existente nesse imenso Universo.

Voltemos então, agora, ao começo, voltemos ao início. Voltemos às palavras de Henry Poincaré, que serviram de inspiração para a confecção desta singela homenagem. E que servirá ainda de inspiração, certamente, para muitos que, como eu, pretendem e pretenderão dedicar suas vidas - ou pelo menos parte delas - à divulgação, à difusão, ao ensino e à popularização da ciência dos astros, a ciência dos céus, a Astronomia:

"A Astronomia é útil porque nos eleva acima de nós mesmos; é útil porque é grande, é útil porque é bela; isso é o que se precisa dizer. É ela que nos mostra o quanto o homem é pequeno no corpo e o quanto é grande no espírito, já que nesta imensidão resplandecente, onde seu corpo não passa de um ponto obscuro, sua inteligência pode abarcar inteira, e dela fruir a silenciosa harmonia. Atingimos assim a consciência de nossa força, e isso é uma coisa pela qual jamais pagaríamos caro demais, porque essa consciência nos torna mais fortes."

Nenhum comentário:

Postar um comentário