sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Historiador resgata os primórdios da crença em discos voadores

(Danilo Albergaria - Com Ciência) Ninguém teria acreditado, nos anos seguintes à Segunda Guerra Mundial, que a combinação entre jornalismo sensacionalista, medo de um conflito atômico e fascínio pela exploração espacial criariam o caldo cultural que permitiria o surgimento da ideia de que seres extraterrestres estão nos visitando a bordo de aeronaves conhecidas como discos voadores. Embora esse imaginário tenha surgido nos Estados Unidos, a formação da crença em discos voadores no Brasil tem sua própria história. Quem a conta é o historiador Rodolpho Gauthier Cardoso dos Santos, em dissertação de mestrado defendida na Universidade Estadual de Campinas.

Em A invenção dos discos voadores: Guerra Fria, imprensa e ciência no Brasil (1947-1958), Cardoso dos Santos mostra que, sob influencia do que vinha ocorrendo nos Estados Unidos, apareceram muitos casos de avistamento e até mesmo ondas de relatos de discos voadores no Brasil nos anos 1950. A atuação sensacionalista de parte da imprensa local e a incipiente atuação dos cientistas da época abriram espaço para especulações de todo tipo.

Armas secretas ou alienígenas?
Muito antes das discussões sobre discos voadores, a imaginação literária já havia levado à criação de obras sobre seres de outros planetas que nos visitam. Essa história, porém, saltou das páginas dos livros para as dos jornais logo após a Segunda Guerra. Em 1947 surgiu a expressão disco voador – cunhada a partir da tradução livre de flying saucer (pires voador), termo formulado a partir do erro de compreensão de um jornalista estadunidense. As notícias sobre o avistamento desses flying saucers levaram ao surgimento de uma onda de relatos nos Estados Unidos. No Brasil, o efeito foi bastante semelhante.

Segundo Cardoso dos Santos, “inicialmente se pensava que os tais discos voadores eram algum tipo de dispositivo militar, uma espécie de arma secreta. A hipótese extraterrestre sequer aparecia nas pesquisas de opinião sobre o assunto”. O mundo vivia o início da Guerra Fria. A tensão e o medo eram continuamente renovados pela vertiginosa escalada tecnológica e armamentista. Por outro lado, esse mesmo avanço tecnológico extraordinário criava a sensação de que tudo era possível para a ciência, inclusive a invenção de aeronaves de forma circular, semelhantes a pratos.

Um dos objetivos do trabalho é capturar o que o autor chama de “imaginário em mutação”. Ele nota que, ao longo do período analisado (1947-1958), o debate na imprensa deixou de ser feito em torno da existência dos discos voadores e das teorias de armas secretas para converter-se em especulações a respeito da hipótese extraterrestre. Ao longo dos anos 1950, a imagem dos discos voadores acabou por se fundir com a noção de sua origem alienígena. De acordo com o autor, essa “vitória” da hipótese extraterrestre teve bastante a ver com os meios de comunicação sensacionalistas e com a influencia da indústria cinematográfica estadunidense (que explorava à exaustão a temática da ficção científica do contato alienígena).

O papel da imprensa
A pesquisa histórica foi realizada principalmente a partir da produção jornalística do período. O autor analisou meios de comunicação já extintos bastante populares como as revistas O Cruzeiro (de enorme circulação na década de 1950), Manchete e Ciência Popular, além de jornais como o paulistano A Noite e o carioca A Manhã, entre outros. Ele mostra como interesses financeiros levaram alguns desses veículos, principalmente a revista O Cruzeiro, a mergulharem de cabeça na temática e a veicular grandes reportagens que incluíam fraudes fotográficas e histórias que beiravam o anedótico. Nesse contexto, a revista Ciência Popular foi uma exceção e tocou a nota dissonante do ceticismo e racionalismo empedernido.

Durante os sete anos em que analisou o tema, o historiador chafurdou na cultura ufológica para tentar compreender o universo mental no qual as ideias sobre discos voadores encontraram terreno fértil: “cientificamente é difícil pesquisar os discos voadores em si, pois sua existência nunca foi comprovada. Restou-me, então, analisar o que as pessoas pensaram a respeito deles. O que encontrei foi uma época profundamente marcada pelo medo da guerra nuclear e, ao mesmo tempo, deslumbrada com as possibilidades da tecnologia aeroespacial. Os sentimentos ambivalentes em relação à ciência eram bastante fortes”, conta.

Cardoso dos Santos percebeu que nenhuma explicação única para a criação desse fenômeno cultural controverso é inteiramente satisfatória. Ele rejeita, por exemplo, a ideia da invenção unilateral dos discos voadores por parte dos meios de comunicação. Tampouco apela para categorias psicológicas como histeria coletiva. Sua conclusão é de que houve uma intrincada relação de reelaboração entre os meios de comunicação e a cultura popular, alimentados pela falta de disseminação de uma cultura científica que municiasse a sociedade com ferramentas intelectuais básicas para qualquer investigação crítica. Fatores como esses permitiram a criação da imagem de extraterrestres a bordo de discos voadores sobrevoando a solitária existência humana.

Embora não tenha descartado previamente a existência objetiva dos discos voadores e das visitas extraterrestres, a análise do autor coloca absolutamente de lado possíveis conclusões místicas ou sobrenaturais sobre o assunto. Indiretamente, seu trabalho ajuda a implodir o edifício de crenças relacionadas às fantásticas visitas de homenzinhos verdes.

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