quarta-feira, 21 de julho de 2010

O longo caminho da pesquisa científica

Muitos cientistas brasileiros optam por recusar carreiras internacionais em nome do desenvolvimento do país. É uma luta árdua, porém. Investimentos na área crescem, mas ainda são insuficientes. Especialistas pedem que empresas apostem em pesquisa

(Correio Braziliense) O sonho de ser cientista quase sempre começa na escola, seja na descoberta do sistema solar, na tradicional experiência do broto do feijão ou nos kits de química vendidos em bancas de jornais. Depois chegam os estudos, as especializações e muitas, muitas horas de pesquisa em laboratórios. Além dos desafios práticos da profissão, no Brasil é preciso lutar ainda mais arduamente por um lugar no mundo da ciência. Muitos buscam outros países para fazer mestrado, doutorado ou pós-doutorado e depois voltam para tentar aplicar na terra natal os conhecimentos adquiridos.

Nos últimos oito anos, o investimento na área cresceu muito pouco. Os especialistas avaliam que ainda faltam dinheiro e decisão política de apostar fortemente na área para que a ciência brasileira possa dar um salto. Mesmo assim, muitos brasileiros optam por recusar oportunidades no exterior para permanecer no país e dar sua contribuição.

Para o brasiliense Sidarta Ribeiro, a paixão pela ciência começou cedo. A influência de um tio cientista amador, do livro Cosmos, de Carl Sagan, e dos filmes de Jacques Cousteau o fez interessar-se ainda mais pelas aulas de física, biologia e matemática. “No meio do ensino médio, comecei um estágio voluntário no laboratório de microbiologia da Universidade de Brasília, com os professores Loreny Giugliano e Isaac Roitman, e nunca mais saí do ambiente científico”, conta.
Depois de se formar em biologia, Sidarta fez um mestrado em neurociência na Universidade Federal do Rio de Janeiro e partiu para os Estados Unidos. Lá, fez um doutorado em neurociência na Universidade Rockefeller e um pós-doutorado na Universidade Duke. “Saí do Brasil com a decisão de regressar, e trabalhei todo o tempo para construir as condições de retorno. A ciência praticada nas melhores universidades do mundo é extremamente dinâmica e rica”, afirma o professor, especialista em estudos dos sonhos. Após 11 anos no meio científico norte-americano, ele foi convidado para fundar o Instituto Internacional de Neurociências de Natal, na Universidade Federal do Rio Grande do Norte, ao lado do professor Miguel Nicolelis.

O investimento no desenvolvimento em pesquisa, tanto no setor público quanto no empresarial, subiu de R$ 29 milhões para R$ 43 milhões, de 2000 a 2008. Para Luiz Davidovich, professor do Instituto de Física da UFRJ e coordenador-geral da 4ª Conferência Nacional de Ciência e Tecnologia, que vai definir a política pública para a ciência nos próximos 10 anos, em conjunto com o governo federal, os avanços são visíveis. “Os investimentos aumentaram a complexidade do sistema, incentivaram a criação de secretarias estaduais e municipais. As publicações brasileiras estão aparecendo com destaque no mundo”, defende.

Visita transformadora
Aos 15 anos, a pesquisadora Tania Araújo-Jorge fez uma visita a um museu de ciência em Munique que mudou sua vida. “Aquilo me marcou muito e desde então sabia que iria seguir esse caminho. Fiz vestibular para medicina e fui logo trabalhar com pesquisa em laboratório”, conta a diretora do Instituto Oswaldo Cruz. Com pós-doutorado na Universidade Livre de Bruxelas e no Instituto Curie de Paris, ela se especializou em desenvolver inovações terapêuticas para a doença de Chagas. “Fazer uma especialização no exterior foi uma experiência positiva e uma oportunidade de poder trabalhar de igual para igual com outros cientistas. Fui com intenção de voltar e depois de desenvolver um grupo aqui. O meu país investiu para que eu estivesse lá e foi meu compromisso retornar”, diz.

Para o cientista paulistano Sandro José de Souza, um pós-doutorado em Harvard, nos Estados Unidos, foi peça-chave na carreira. Ele trabalhou com o prêmio Nobel de Química Walter Gilbert na área de bioinformática e, depois do treinamento, voltou para o Brasil para trabalhar com genômica no Instituto Ludwig de Pesquisa Sobre o Câncer. “Nunca passou pela minha cabeça ficar lá. Queria voltar. Acho importante, porém, incentivar os cientistas a saírem para ter uma experiência internacional, perder a percepção de que nós não somos tão bons quanto eles e para perder o medo de competição. A gente volta com uma atitude nova e o país só tem a ganhar com isso”, afirma.

Com dois pós-doutorados, um nos Estados Unidos e outro na Suíça, o neurocientista Renato Malcher-Lopes, especialista em controle hormonal da atividade cerebral, precisou voltar para Brasília por uma questão familiar. Depois de ficar quase um ano desempregado, entrou na área acadêmica. Para ele, o desenvolvimento da ciência aqui ainda é muito mais tradicional e burocrático do que em outros países. “Existe uma situação paradoxal: a pesquisa é muito forte e os grupos estão mais amadurecidos, mas o sistema de recursos é muito centrado na experiência prévia com estudos, o que favorece os que já estão estabelecidos; isso, por sua vez, faz com que, se alguém chega com uma técnica nova, tenha um problema de infraestrutura”, comenta.

Ter a chance de comandar um laboratório para colocar suas pesquisar em prática, como aconteceu com Sidarta, ainda é um privilégio. Para quem faz um pós-doutorado no exterior, a volta nem sempre garante condições para se estabelecer. “Cabe ao governo uma ação para trazer esses cientistas para trabalharem aqui no Brasil. A China está atraindo os jovens formados no exterior com todas as facilidades. Eles começam a trabalhar com equipamento de primeiríssima qualidade e salários convincentes. É um exemplo que devemos seguir”, diz Luiz Davidovich. Em 2003, quando o governo Lula começou, o número de bolsas para cientistas no Brasil e no exterior não passava de 14 mil. Hoje, chegam a 42 mil.

A vez das empresas
Para Carlos Henrique Brito Cruz, diretor científico da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), o processo de crescimento foi e deverá ser longo. “A visibilidade da ciência brasileira tem crescido, mas é um efeito cumulativo de um esforço que aconteceu nos últimos 50 anos. A comunidade científica ainda é muito pequena. O Brasil precisa criar mais e melhores instituições”, analisa o físico. “Temos um caminho muito longo pela frente e precisamos nos mover com uma certa velocidade. Estamos atrás de países como a China, a Índia e a Coreia do Sul e temos o mesmo potencial”, argumenta.

Outro ponto importante defendido pelos especialistas é conseguir estimular os empresários a investirem na ciência. De acordo com dados do Ministério de Ciência e Tecnologia, 76,7% dos pesquisadores estão ligados a uma instituição de ensino superior e 3,1% estão no governo. Apenas 19,8% estão no setor empresarial. “O número de artigos científicos é significativo, mas o de patentes não”, diz Cruz. Para ele, a solução passa pelas empresas aumentarem o investimento em pesquisa. “Se não mudarmos o pensamento, o ambiente econômico, não adianta nada. Se a infraestrutura é ruim e a taxa de juros é enorme, o empresário não vai investir”, explica Cruz.

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