"Intelectual por aqui é sinônimo de professor universitário. Não é uma 'mudança de mentalidade' que vai alterar essa situação. É, para começar, um investimento de enormes proporções na melhoria do ensino médio, em todas as disciplinas"
(Marcos Nobre - Folha) Salvo engano, o texto de João Moreira Salles no Ilustríssima de domingo é uma exceção. De hábito, é um ensaísta que não está em busca de aprovação ou reprovação, que não escreve para convencer. Ponto em que convergem o escritor e o documentarista.
A forma de conferência já é sinal de intervenção engajada. Não por acaso, Moreira Salles escolheu uma outra conferência para construir o seu argumento. Em 1959, C. P. Snow resolveu soar o alarme: como é possível que uma pessoa culta chegue mesmo a se orgulhar de desconhecer a Segunda Lei da Termodinâmica? Afinal, que cultura é essa que exclui a ciência?
Para Snow, a fratura que divide a cultura entre "ciência" e "humanidades" reflete também uma exclusão. É que as "humanidades" dominaram de tal maneira o debate público que os "cientistas" deixaram de ser considerados intelectuais.
Não sendo considerados intelectuais, os "cientistas" também não são modelos públicos para escolhas profissionais de adolescentes.
Tropicalizando o argumento, Moreira Salles diz que, no Brasil, nem é preciso se tratar apenas de intelectuais: figuras públicas, reais ou de ficção, nunca são cientistas, mas sempre "descolados". E esse desprestígio explicaria por que formamos tão poucos engenheiros, por exemplo.
A provocação é mais que oportuna. Mas há tantas coisas diferentes misturadas aí que a provocação corre o risco de morrer na praia. Assim como Snow, Moreira Salles se contenta com a descrição de uma situação real, mas deixa de lado a história que lhe dá sentido.
Entre muitas outras coisas, ignoram a longa história de outra exclusão: a do monopólio do uso da palavra "ciência" por certas disciplinas, cabendo ao "resto" o rótulo de "artes ou humanidades". Silenciam também sobre o peso das escolhas fatais da Guerra Fria que colocaram as bases da compreensão de "ciência" que vigora até hoje.
A secular lógica elitista brasileira produziu um bom punhado de pesquisadores bem formados e uma imensa massa de iletrados.
Intelectual por aqui é sinônimo de professor universitário. São ínfimas as possibilidades de sobrevivência no espaço estreito entre o jornalista e o acadêmico.
Não é uma "mudança de mentalidade" que vai alterar essa situação. É, para começar, um investimento de enormes proporções na melhoria do ensino médio, em todas as disciplinas.
Só assim é possível que os novos Mários Schenbergs resolvam sair dos laboratórios e deixem de encarar a intervenção pública como algo que desmerece e ameaça seu status de cientistas.
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